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Bruna Costa e Paula Borghi

Bruna Costa (Rio de Janeiro, 1993), é historiadora da arte, professora e curadora. Formada em História da Arte pela EBA/UFRJ com período sanduíche na Sapienza University of Rome, Itália (Bolsa Erasmus EBW+ 2015-2016). Faz mestrado em Artes Visuais, na linha de pesquisa História e Crítica da Arte pelo PPGAV/UFRJ. Possui interesses de pesquisa em arte moderna e contemporânea brasileiras. Entre projetos realizados, destacam-se a co-curadoria de “A título precário” no Centro Cultural Phábrika (2018), a co-curadoria no “1º Salão Vermelho de Artes Degeneradas” no Atelier Sanitário (2019) e assistência de curadoria nas exposições “Arte Naïf: nenhum museu a menos” (2019), “Campo” (2019) e “Hábito-Habitante”

(2021), na EAV Parque Lage (2019). É tutora de História da Arte e Turismo no

Consórcio CEDERJ e leciona cursos livres de História da Arte.
 

Paula Borghi (São Paulo, 1986) é mestranda em Artes Visuais na linha de pesquisa de História e Crítica de Arte pelo PPGAV/UFRJ e Bacharel em Artes Visuais pela FAAP. Foi curadora adjunta da 11# Bienal do Mercosul (Porto Alegre, 2018), curadora convidada do Centro Cultural Hellerau no Projeto Brasil (Alemanha, 2016), assistente curatorial de Ibis Habascal na 12# Bienal de La Havana (Cuba, 2015) e curadora da Residência Artística do Red Bull Station (São Paulo, 20013-2015). Foi co-idealizadora do espaço independente Saracura (Rio de Janeiro, 2016-2018) e idealizadora da biblioteca itinerante de publicações de artistas latinos Projecto MULTIPLO (2011-2017) premiada pelo Rumos Itaú Cultural em 2015-2016. Nos anos de 2015 e 2016 trabalhou com o Instituto Goethe no projeto Jogos do Sul, que teve como objeto de pesquisa os I Jogos Mundiais Indígenas, Palmas. Em 2020 desenvolveu uma pesquisa sobre o acervo da Cidade de São Paulo para exposição no CCSP, com exposição suspensa pela pandemia. Desde 2020 desenvolve o projeto “Arte, substantivo feminino”, com objetivo de arrecadar fundos para mulheres brasileiras abortarem legalmente. Desde 2020 trabalha em parceria com Milha Pela Vida das Mulheres no projeto “Arte, substantivo feminino”, contemplado no edital

ApexArt 2021

Terra Afefé: da diversidade vivemos!
01 de agosto 2021

Terra Afefé é um trabalho de arte localizado na Chapada Diamantina, na Bahia, com idealização e materialização da artista baiana Rose Afefé (Varzedo, 1988). Desde 2018, a artista vem construindo um projeto poético de microcidade por meio da bioconstrução, isto é, partindo do cuidado com impacto ambiental, em sintonia com as ecologias do mundo e minimizando a interferência humana na Terra. Tendo como inspiração as referências, as memórias e as histórias de infância, Rose constrói com barro as paisagens que um dia viveu, compartilhando conosco a experiência de crescer no interior da Bahia. Se pensarmos nas técnicas convencionais da arte, como a pintura e a escultura, nota-se que elas estão presentes em Afefé por meio das cores nas construções, da paisagem da Chapada Diamantina e da plasticidade do barro. Além disso, este é um projeto artístico em contínua construção, em que todes que por lá passam são convidades a participar e colaborar com seus saberes pessoais e coletivos.

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O projeto é autogerido e oferece imersões e residências artísticas, compreendendo a prática artística em seu sentido amplo e interdisciplinar, ampliando as possibilidades de colaboração de outres com o espaço. A partir de convocatórias e convites, de tempos em tempos Terra Afefé é habitada por grupos diferentes, conforme a proposta em questão. Trabalhando em parceria com diferentes profissionais da arte, a cada imersão e/ou residência, novos colaboradores são agregados, tornando esta terra mais fértil e heterogênea. Tal qual um sistema agroflorestal, corpos diversos compartilham o mesmo espaço, criando um equilíbrio interno que se autorregula e, com alguma sorte, abre fissuras no status quo social.

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Terra Afefé tem como política de trabalho priorizar a presença de artistas afrodescendentes, PcD, lgbtqia+, indígenas e com poucos recursos financeiros, uma vez que é comum a presença majoritária da branquitude na arte como um todo, seja em seus espaços ou na sua história. Articulações de bolsas e financiamento são movimentos frequentes de Afefé, em alinhamento com um corpo mais sensível às desigualdades sociais e às subjetividades que constituem estas desigualdades. A urgência em romper com o sistema hegemônico da arte e da vida é algo que se faz latente na pesquisa artística de Rose, uma vez que ela mesma vive esse rompimento como mulher, afrodescendente, nordestina e lgbtqia+.

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Entre 24 de dezembro de 2020 e 3 de janeiro de 2021, Afefé realizou a residência artística Apaziá. Proposta peles artistas Rose Afefé e Dan Odan e pela curadora Paula Borghi, a residência teve o intuito de, conforme o próprio nome sugere, apaziguar o corpo que se encontrava (e ainda se encontra) em uma pandemia sob um governo genocida. Foram realizadas atividades comuns às outras imersões de Afefé, como práticas com bioconstrução que deixam uma contribuição material ao espaço; momentos de descontração em coletivo como rodas de conversa, festas e fogueira; passeios para atrativos locais de Ibicoara; e atividades propostas peles residentes de acordo com seus saberes como aulas de dança, de música, entre outros. Somando a isso, Apaziá trouxe momentos específicos e pontuais, sobretudo o cruzamento das poéticas de cada um pelo encontro de experiências e olhares. Acreditamos que cada participante atravessou e foi atravessado por esta vivência.

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Terra Afefé é uma prática artística capaz de impulsionar transformações de ordem subjetiva, principalmente no âmbito da criação. Por atuar enquanto um afeto, não por sua qualidade de emoção, mas sim por ser uma força que age na subjetividade e que pode ser contemplada pelo sentido do verbo afetar, é próprio de Afefé tocar, perturbar, abalar, atingir e atravessar os corpos de quem por ela transita. Em síntese, na experiência subjetiva, a arte opera em nossos corpos e no mundo por meio dos afetos, de modo que somos atravessados pelos efeitos de sua presença, neste caso, pela experiência artística em Afefé.

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Ao encontro dos afetos que foram despertados em nossos corpos ao longo da residência Apaziá, vale mencionar que vivenciamos momentos de aprendizados para além da arte, ainda que por meio dela. A todo momento fomos atravessades por questões identitárias e ambientais, confrontando-nos com nossa própria agência no mundo, problematizando e discutindo não apenas questões comportamentais próprias da convivência em coletivo, mas vivendo-as no dia a dia. Deste modo, o confronto nem sempre é um combate, mas pode ser veículo para reflexão e mudança; da mesma forma que o desafeto é também um afeto.

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Para subverter a frase do artista Hélio Oiticica, "da diversidade vivemos"; Apaziá proporcionou a vivência de linguagens diversas entre si, o que a tornou uma imersão especialmente rica. Estiveram presentes residentes envolvides em práticas visuais, curadoria, dança, moda, música, educação (educadories e estudantes), projetos sociais, dentre outros. Assim como a diversidade de linguagens artísticas, também as subjetividades eram diversas, contemplando artistas de distintas classes sociais, naturalidades, raças, gêneros e sexualidades.

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É também essencial para Terra Afafé a relação com a comunidade local e com as particularidades daquele entorno. Para além das trocas entre ês residentes, o encontro com o artista Diones, nascido em Ibicoara, foi um momento marcante de Apaziá. Diones é um dos guias de ecoturismo da Chapada Diamantina e, concomitantemente, tem uma produção artística autodidata que envolve principalmente a pintura, um meio caro à dita História da Arte escrita por corpos em sua vasta maioria privilegiados. O autodidatismo é fortemente atravessado por marcadores de classe, o que faz com que alguns sejam considerados artistas enquanto outros não têm a oportunidade de ocupar este lugar, seja pela falta de estudo ou pela não-inserção num sistema dominante.

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Neste sentido, Diones e Rose têm uma história que converge, já que ambos são artistas afrodescendentes naturais do interior da Bahia que se inspiram em suas histórias pessoais ou coletivas de seus locais, e que buscam criar frestas neste meio artístico hegemônico vivenciado sobretudo nas grandes metrópoles. Diones falou sobre como contar histórias (através da pintura e da oralidade) o atravessava de modo pungente, mas ficava evidente em sua fala, de modo indireto, a falta de um espaço no qual ele pudesse se afirmar artista. A ausência de escolas/universidades de arte e de outros espaços de interlocução faziam com que ele duvidasse de sua própria capacidade de “ser artista”, além de pertencer a uma realidade material que impede ele e muitas pessoas de vivenciarem a arte como este lugar possível de presença no mundo, de compreensão de si e autoexpressão.

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Por isso, por todo impacto social da existência de Afefé e pelas imersões que lá ocorrem, incluindo Apaziá, as poéticas presentes neste projeto de arte afetam o mundo em suas diferentes práticas e praticantes, como se fosse possível afirmar que, de fato, da diversidade vivemos.

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Participantes da residência Apaziá, da esquerda para direita: Andréa, Bruna, Rose, Dan, Paula, Julia, Julia,

Rafa, Raquel, Cazul, Daniela, Ricardo, Thiene e Francisco.

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Apresentação do artista Diones em Terra Afefé.

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Atividades realizadas em Afefé: oficina de bioconstrução com barro, rodas de conversa sobre as poéticas dos residentes;

caminhadas para atrativos da Chapada Diamantina e ações coletivas com corpo.

Fotos: Cortesia Terra Afefé.

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