VOZES
Yasmin Gomes
CORES E CAOS: PERCEPÇÕES ESTÉTICAS ATRAVÉS DOS ESCRITOS
DE JORGE GUINLE
18 de julho 2022
Como jovem pesquisadora, me dispus a buscar nos textos críticos de Guinle,
vestígios de suas preferências estéticas que visualmente fossem encontradas
em suas produções. Jorge Guinle morreu jovem, mas deixou um espaço
significativo na história da arte contemporânea brasileira que em 1980,
levantava voo. Guinle apreciava muitos artistas e tinha vasto repertório
resultado de seus longos anos vivendo no exterior, mas o que mais me
encanta, é o fato de Jorge Guinle colocar seus amigos como referências, estes
também jovens artistas da época. Em seus amigos ele se inspirava, escrevia,
comparava à Mestres da Arte e então finalmente, falava de si, se
reencontrando nessas pistas de palavras.
Jorge Eduardo Guinle Filho, ou apenas Jorge Guinle, teve uma vida de grandes
oportunidades desde muito cedo. Filho de pais aristocratas, nasceu no Rio de
Janeiro em 14 de março de 1947 onde permaneceu por pouco tempo para
viver com a mãe em Paris e logo após, nos Estados Unidos, mais precisamente
em Nova York, que encontrava-se no auge da arte moderna. “Jorginho” como
era chamado, demonstrava desde pequeno, grande interesse pelo mundo das
Artes, visitando diversas vezes, museus e galerias de imensuráveis valores
históricos.
Ao mesmo tempo em que se encontrava inteiramente atraído por obras de arte,
exposições e museus, Guinle passou a aventurar-se e a desenvolver seus
próprios trabalhos, experimentando diferentes técnicas artísticas ao longo de
seu processo de descobertas artísticas. Dedicou-se à ilustração e à gravura,
mas foi na pintura que se apaixonou perdidamente durante toda a sua vida.
Envolvido pelas obras de artistas como Henri Matisse (1869-1954) e Pablo
Picasso (1881-1973), os trabalhos de Guinle assumiam cada vez mais uma
estética fauvista e cubista, assim como referência ao pop-art, resultando em
uma abundância de cores e formas ricas em energia, conhecidas como action
painting construída por agitação e bom humor, provenientes ao ato da
combinação de diferentes tons de cores que se misturam, se encontram e se
perdem aos nossos olhos, ao mesmo tempo que são encaradas com formas
ora exageradas, ora imperceptíveis, mas que fazem-se e moldam-se de acordo
com a finalização da obra.
Guinle, que possuía vasta experiência cultural, lidera um grupo de jovens
artistas que mais tarde ficariam conhecidos como Geração 80, grupo que tinha
como intuito a valorização dos processos criativos e a revalorização de obras
pictóricas, assim como a revalorização da experimentação e da liberdade, do
mesmo modo como era colocado pelos artistas expressionistas e modernistas,
afim de trazer novamente os olhares para a arte brasileira, que se encontrava
em processo de construção com as novas tendências vindas do exterior.
Jorge Guinle em frente a uma de suas telas, fonte: Catálogo “Jorge Guinle: Ao fim e ao cabo”
(GALERIA SIMÕES DE ASSIS, 2020)
Iniciando pelo artigo A implosão da Imagem escrito por Guinle em 1983, o
artista traz diversas críticas e considerações acerca das obras de Leonilson
(1957-1993), um dos jovens artistas da Geração 80. Neste podemos notar o
interesse e satisfação pelas novas criações dos jovens artistas, ao mesmo
tempo que se nota segundo ele, repetições visuais do século XIX, já que para
Guinle “era de uma busca contínua por modelos radicalmente novos
visualmente, ao mesmo tempo que se buscava uma “mescla” provenientes do
passado presentes no moderno” (GUINLE, 1983).
Vale lembrar que com a chegada do modernismo e do contemporâneo, pouco
importavam os resultados estéticos colocados nas obras, pois para os artistas
modernos, as ideias, os conceitos e os processos eram de maior relevância.
Através deste primeiro e breve escrito, já é possível identificarmos nas obras
de Leonilson, traços de pequenos processos adotados por Guinle. Nota-se em
seus trabalhos uma escolha estética carregada por linhas contínuas e formas
que ora se encontram e ora se repelem umas com as outras. É claro nas obras
de Guinle uma grande influência da pop art e do expressionismo moderno, o
que assim como detectado nas obras de Leonilson, os trabalhos de Guinle
também carregam energia, sensibilidade, intimismo e simplicidade
propositados pelas formas figurativas e pelas cores que parecem “explodir” aos
nossos olhos.
Em sequência, temos o presente escrito titulado O Conceito da Imagem na
Nova Pintura do Século XX (1981), na qual é colocado de modo geral, o
desprezo pela imagem tradicional, tomando como profunda referência, os
atuais conceitos atribuídos para a pintura, assim como as reflexões de seus
novos papéis, envolvidas entre o dadaísmo e o tradicionalismo mas que ainda
assim, asseguram desprezo visual pelo belo, mas valorização das formas,
texturas e abstrações que como mencionado por Guinle, refletem um
expressionismo de “vai-e-vem emocional” (GUINLE, 1981).
Segundo Jorge Guinle em O Conceito da Imagem, de modo geral as pinturas
dos anos 60/ 70 também assumem um papel de “afronta” ao cinema e a
fotografia, visto que não há como competir com estes novos meios de
comunicação, manifestando-se de modo crítico em relação as suas funções
para com a sociedade. Para Guinle, é uma espécie de “acerto de contas” com
os conceitos tradicionais, mas que precisam ser primeiramente, ridicularizados
pelos artistas, que produzem obras de “baixa qualidade” em certos momentos,
mas que carregam fortes conceitos, ideias e reflexões- como é o caso das
formas estranhas apresentadas por Magritte.
Em Papai Era Surfista Profissional, Mamãe Fazia Mapa Astral Legal. “Geração
80” ou Como Matei uma Aula de Arte num Shopping Center, publicado como o
catálogo oficial da então exposição Como vai você, Geração 80? é reforçado
por o desejo por novos artistas que pudessem refletir verdadeiramente o
espírito da época, assim como o reflexo destas produções diante os meios
tecnológicos em massa que também são apresentados em muitos trabalhos
artísticos dos anos de 1980.