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Carlos Azambuja

É bacharel em Design pela ESDI (1980), Mestre em Design (PUC-Rio, 1998) e Doutor em Comunicação e Cultura (ECO-UFRJ, 2003), e, desde 2001, Professor da Escola de Belas Artes da UFRJ, aonde atualmente coordena o programa de pós-graduação em Artes Visuais (PPGAV/EBA/UFRJ) e o grupo de pesquisa IMAGINATA, atuando na linha de Imagem e Cultura; e também N.I.M. - Núcleo da Imagem em Movimento.

 

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Onça pegando um Jacaré do Pantanal, Porto Jofre, Pantanal - MT • • 28 de Julho de 2023 • Carlos Azambuja

O AMIGO DA ONÇA
23 de agosto 2023

Na antiga revista Cruzeiro, o cartunista Péricles (de Andrade Maranhão) publicou, desde 1943, um delicioso personagem – justamente o "amigo da onça" – que com seu típico bigodinho se mostrava, como um Macunaíma, um sujeito sem muito carater, constrangendo e metendo os outros nas maiores enrascadas, ou se dando bem em todas as situações.
Algumas décadas depois de conhecer o personagem de Péricles atendi a um chamado anímico vindo do Pantanal Mato-grossense. Uma Onça me convocava a encontrá-la lá... Não sabia se para me devorar física ou poeticamente, me fazer ver e descobrir alguma coisa ainda oculta dentro de mim. E como certas tentações são mesmo invitáveis, fui...
De cara, encontrei a mais completa – nada, mergulha, sobe em árvores, etc. – predadora dos biomas brasileiros. Estava faminta e fazendo o que sabe fazer melhor: caçando e devorando um Jacaré do Pantanal, uma espécie nativa. 

 

 


 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

A expressão de poucos amigos que é talvez decorrente da fome e do medo pela ameaça de roubo da sua presa. A mesma expressão assustada que pode ser vista com frequência atualmente, nas ruas das principais cidades brasileiras, nos rostos da massa de gente que mora na rua.

Então o fotógrafo fotografou, mas eu ainda não havia encontrado aquela onça que me havia chamado ao Pantanal, essa primeira só me assustou...

Mas aos poucos enquanto ela se alimentava percebi uma mudança no seu olhar, que agora me observava sem tanta tensão pois já estava se saciando. Era um olhar quase infantil como o da criança que se labuzou da guloseima. Aí veio um primeiro insight: Não há ódio na violência do matar e morrer da Natureza, só necessidade, só sobrevivência. Onças, esta onça ou qualquer outra, não me trucidariam com ódio, com ressentimento, apenas por medo ou necessidade. Foi só o que me disse a linguinha de fora ensanguentada.

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Onça devorando um Jacaré do Pantanal, Porto Jofre, Pantanal - MT • 28 de Julho de 2023 • Carlos Azambuja
 

Prossegui então zanzando sobre o Rio Cuiabá em busca do encontro que fora antes marcado. Nunca se deve faltar a esse tipo de encontro. Nunca se pode fugir de si mesmo. Algumas curvas no rio adiante e...

Cheguei, lá estava a jovem onça, calma, serena e seguramente distante de mim e ao mesmo tempo próxima, olho no olho, vis-à-vis, me mandando a sua mensagem tele-empática...

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Onça (frontal), Porto Jofre, Pantanal - MT • 28 de Julho de 2023 • Carlos Azambuja

Avisou que não era minha inimiga, não me odiava, e assim me demostrou que na sua selva, apesar do matar ou morrer corrente, do convívio diário entre predador e presa, não há um sentimento de desprezo, de ódio pelo outro como existe na outra selva da qual eu tinha vindo. 

 

Descobri assim que podia e devia me tornar e assumir ser um sincero amigo da onça, pois ali entre nós não haveria uma amizade interesseira, insincera ou falsa, só a relação de ambos com a verdade do mundo que nos cerca, às vezes assustador no seu vigor e violência, de uma mesma Terra que eu e ela e todos nós habitamos, por muitas vezes até sem o perceber.

 

Fiquei então num estado suspenso de tempo, de Contemplatio, só interrompido pouco depois quando fui surpreendido por uma breve movimentação da minha nova amiga para um ponto um pouco mais distante, incomodada certamente com a chegada de outras lanchas repletas de turistas-fotógrafos estrangeiros, que miravam nela com suas lentes alinhadas todas num mesmo ângulo proporcionado pela posição da sua embarcação. 

 

Ali então me senti um privilegiado, eu era o único fotógrafo na minha lancha e já tinha tido meu momento íntimo exclusivo com a musa de todos. Caia a tarde e a minha nova amiga se mostrava despreocupada e quase blasé com a trupe de admiradores, mas eu havia obtido uma vantagem:
 

Eu era Amigo da Onça! ​

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Onça ao cair da tarde #03, Porto Jofre, Pantanal- MT • 28 de Julho de 2023 • Carlos Azambuja

Onça ao cair da tarde #02, Porto Jofre, Pantanal- MT • 28 de Julho de 2023 • Carlos Azambuja

Porém, refleti: Se recebi essa mensagem da minha amiga, o que será então que ele queria de mim? Por que me convidou?

 

Talvez por que soubesse que nem todos são seus amigos como é sua amiga a população ribeirinha de Porto Jofre, que vive do turismo e da sua portentosa presença. 

 

Talvez quisesse me lembrar que há na selva de onde venho muitos inimigos das onças: os canalhas que deixaram incendiar cerca de 20% do Pantanal há dois anos atrás, atingindo duramente o Pantanal de Poconé causando morte e destruição entre os animais. 

 

Esses mesmos que abriram a porteiras para o mal entrar no Pantanal e incendiá-lo no governo passado, os que abriram no campo para aqueles que matam toda as sorte de ser vivo sem qualquer escrúpulo, só para se alimentar de mais dinheiro.

 

... E que eles continuam aí (por exemplo, no congresso presidindo CPIs).

 

Eis então a razão do chamado: 

 

É urgente se opor e deter os inimigos da onça, os verdadeiros dissimulados, falsos e canalhas, foi isso o que ela me pediu.  
 

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A CULPA DO FOTÓGRAFO
18 de junho 2023

Miséria Esculpida, Rio de Janeiro  - 23 de Julho de 2022 - Carlos Azambuja

Sob o cobertor se delineia a forma de um corpo como numa escultura de Bernini envolta num véu. A identidade é secreta, mas não é um super-herói, quando muito alguém à margem e no estrito sentido oiticicano um “herói”, marginal, mas nunca super, já que desprovido de qualquer poder, despossuído de poderes.

A identidade permanece oculta: Homem? Mulher? Cis? Trans? Hetero? Homo? Jovem? Adulto? Preto? Branco? Velho? Novo?... Um único segredo se desvela de imediato: humano, demasiadamente humano... escandalosamente humano, terrivelmente humano. Verdadeiramente, humano.

E então o amoral fotógrafo faz o que dele se espera: fotografa...

 


 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Foi assim que o grande mestre do fotojornalismo brasileiro, o rei das cores e poses, o gigante Walter Firmo, justificou a foto que tirou de um morador de rua embaixo de uma vitrine de luxo na Tijuca no mesmo período: “irresistível”...
Ceder a tentação de uma imagem não pode ser possível, não deve ser possível, às favas o moralismo ingênuo e hipócrita: o registro de um ser humano relegado a uma condição sub-humana não é uma ofensa a dignidade humana mas antes uma exposição das condições de um modo de existência socio-econômica e de um dado momento histórico. Eis o que nos ensina o mestre da fotografia na sua essência documental, isso é irresistível, ceder faz parte do compromisso de todo o fotógrafo com a realidade que deseja documentar.

 

Curiosamente, o discurso moral se instala nestas condições através da questão religiosa: um escultor canadense doou à arquidiocese do Rio de Janeiro uma escultura, posta no jardim da Catedral Metropolitana, em que um corpo adormece num banco sob uma coberta e somente os pés perfurados estão descobertos... os pés do Cristo. E assim está então espiada a culpa da sociedade cristã: vejam todos o nosso próprio messias também é ele um despossuído!

 

Será que ele despossui para que seus fiéis seguidores possam possuir e acumular cada vez mais?

 

Pior para o fotógrafo que faz o registro concreto, humanista, socialmente incomodo. Aquele que ao agir fazendo o que sabe e deve, não pode mesmo espiar sua culpa frente aos críticos, quiçá moralistas; aquele que não pode esconder que cede mesquinhamente à sua tentação. Tudo, por fim, para obter uma imagem que sendo documento não lhe pertence nem nunca pertenceu, mas é dada à história como registro, que poderá fazer (ou não) dela o uso que lhe convir, no momento que lhe convier.

ANDANDO EM CÍRCULOS, OU SOBRE O FASCÍNIO DAS ESPIRAIS
01 de agosto 2021

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Andando em Círculos • Rotacionado o Centro da Via Láctea © Carlos Azambuja – Jul 2021.

É possível que a memória se torne fonte de novas potências para uns ou produza apenas sentimentos dos quais não conseguimos nos livrar: Sânsara, Karma, o Eterno Retorno…

 

Certo é que uma memória efetiva e histórica poderia talvez impedir que se percorram os mesmos caminhos e os mesmos erros. Assim, ela seria de uma efetividade libertadora que também serviria para expor e nos denunciar esta nossa prisão, mas há uma ilusão que nasce do movimento de ascensão destes círculos cujos ciclos podem ser cada vez maiores e por isso mesmo dão, de tempos em tempos, a sensação de uma uma superação definitiva de certas condições, o que dá num Mito, uma mentira…

 

Mas alguns círculos mais longos de maior duração vão permitir uma mudança efetiva neste script? A aparência da estabilidade e ascenção de dez anos atrás no Brasil deu lugar ao retorno

– e aquele ciclo durou menos do que parecia poder durar. Àquela altura não se imaginava ser possível uma democracia virar pó nas narinas de um político candidato a presidente, nem se vilumbrava o golpe do Grande Irmão do Norte ungido pelo oleo negro presente nos nossos mares. Mas já ali se sabia (ou não se queria saber) que os personagens continuavam os mesmos

 

desde as capitanias hereditárias. Por exemplo, o neto do patriarca da Independência – José Bonifácio de Andrada Neto – foi líder da ARENA no Congresso durante a segunda Ditadura Militar (a primeira aconteceu o golpe da República).

 

Aboliu-se a Escravatura, mas preservou-se o racismo, o quarto de empregada e o elevador de serviço; criou-se um estatuto dos jovens e adolescentes, mas continuou o sistemático morticídio dos jovens pobres e negros das periferias; forjou-se uma Constituição Cidadã que entretanto afirma que o cão de guarda do Estado – as Forças Armadas – devem “por iniciativa de quaisquer dos Poderes, garantir a lei e a ordem.”; criaram-se as formas de incentivo à cultura mas incendiou-se o Museu Nacional e agora a Cinemateca Brasileira, enquanto o mecenato do mercado financeiro parece se interessar simplesmente pelo retorno de mídia de suas eventuais parcerias.

 

Tivemos de dar mais uma volta no círculo para atentar que certos personagens familiares continuam os mesmos como os Collor, os Barbalho, os Sarney, os ACM, etc.etc.., que, para como foi contra Goulart, adote-se um “parlamenterismo”garantindo que o poder não volte às mãos da esquerda. E ficamos nós aqui esperando Godot (Lula sozinho não merece carregar este fardo) ou pelos menos uma nova volta mais longa que permita o surgimento de novos personagens e de um novo e diferente leque de contradições. Lembrando sempre com Trotsky que toda a revolução parece impossível até que se torne inevitável.

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Andando em Círculos • Rotacionado o Centro da Via Láctea © Carlos Azambuja – Jul 2021.

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