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EXPOSIÇÃO

Canção de Joana d'Arc

 

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Canção de Joana d' Arc

Flávio Colker

Por Renata Gesomino

 

André Breton, escreveu certa vez que o México era o país mais surrealista do mundo. Talvez o poeta francês tenha se inspirado nas contradições encontradas no país onde o luto e o culto aos mortos representam também a maior festividade popular local. Ainda no terreno das contradições, é preciso ressaltar que o país mexicano que carrega uma forte herança ancestral das complexas civilizações pré-colombianas, foi também, em muitos sentidos, a fonte inspiradora para os ideais e a estética modernista com contribuições de inúmeros artistas, filósofos, escritores, cineastas, fotógrafos, revolucionários, etc. que transitaram pelo país ao longo do século XX.

Para o fotógrafo Flávio Colker, a relação deambulatória com o país é pessoal e espiritual, e se relaciona especialmente com sua busca pelos fundamentos da fotografia moderna, repetindo os passos de fotógrafos como Edward Weston, Paul Strand, Cartier Bresson, Tina Modotti, do cinefotógrafo mexicano Álvarez Bravo e do cineasta e filmólogo Serguei Einsenstein. 

Com base em sua produção fotográfica dos últimos anos, a plataforma de texto e imagem Acritica apresenta a exposição “Canção de Joana d´Arc”. Trata-se de uma série de fotografias artísticas produzidas ao longo do período pandêmico, nos arredores de San Miguel Allende e da cidade do México, e convertidas em narrativa visual de um conto pós-moderno. O recorte curatorial escolhido para a presente exposição compreende um projeto mais amplo, inédito e ainda em andamento de publicação de um livro de contos que apresenta as duas grandes musas do fotógrafo: Daniela Vidal –

Artista visual que encarna as personagens principais das três canções trágicas, compostas pela “Canção de Medea”, “Canção de Joana d`Arc” e “O gato de Hamlet”, e a Pintura – a musa em forma de linguagem visual homenageada e referenciada na série de fotografias que compõem “O quarto azul”. Cada conto tem individualmente a contribuição de textos críticos e poéticos feitos por artistas convidados. Assim, participam atualmente do projeto, os teóricos e artistas Gonçalo Ivo, Lilian Zaremba e Wilton Montenegro.

 

O conto visual livremente inspirado na épica história da santa medieval francesa, tem como personagem central a versão encarnada pela artista visual e performer Daniela Vidal, e exibe na sequência de imagens, sucessivas camadas de sensualidade que são intercaladas por cenas da arquitetura, da cultura material, e da paisagem local, revelando temporalidades contingentes e não lineares.  

As imagens do conto de Joana d´Arc são acompanhadas pela poesia da artista Lilian Zaremba, que constrói um diálogo sensível entre escrita e imagem, afirmando que: nada divisória, mas seguidamente ilusória: entre o que se vê e o que se ouve, enquanto meia palavra basta. Assim, o conto progride na mesma velocidade em que o espectro do narrador oferta um jogo elegante de luz e sombra, como distração da forma, armadilha esta, interrompida apenas pela presença pontual de insuspeitados elementos geométricos que sugerem uma oposição mítica entre humanidade e natureza. Os tons avermelhados se espalham pelas cenas. Surgem do fogo e do barro. Falam, pois, de criação e de fertilidade. O espectro do narrador, com sua imaginação vulcânica, reconstrói a narrativa de uma natureza exuberante em contraste com a aridez dos elementos arquitetônicos, representados pelo muro ordinário que recebe a imagem de uma mulher sagrada. São cores do México que se dividem entre o tropical e o desértico, entre o norte e o sul, entre ancestralidade e modernidade, entre ficção e realidade, entre o profano e o sagrado. Um novo conto brota dos entremeios hermenêuticos da imagem. A narrativa é formada pela presença disruptiva de uma Joana d´Arc que se apresenta na contraluz e na contramão da história. A fogueira solitária queima por si só. 

Diáfana e exuberante, a personagem segue seduzindo quem a observa sem nunca contudo retribuir o olhar. O que se vê é pura afirmação de erotismo da presença do corpo que, ao contrário, não mente e não engana. Flagrada frontalmente, ela se apresenta de olhos cerrados em êxtase inaudito. Alheia como uma tela intocada a ser tingida, a heroína transita entre o milharal, estradas desertas, muros, tijolos, janelas, portas, escadas, cantos e quinas, acentuando a busca sensível pelas imagens reconciliadoras de mundos opostos.

 

Prof.ª Drª. Renata Gesomino IART-PPGARTES/UERJ. Crítica de arte e curadora independente.

 

 

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