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EXPOSIÇÃO

O MUNDO NÃO É O BASTANTE

 

Alexandre Sá e NIE em conversa

 

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Conversa por e-mail iniciada em 31/01/2023


Alexandre Sá: Por que arte? Melhor dizendo, o que te faz escolher a arte como profissão?

 

NIE: Na questão de profissão, bem, eu acredito que eu posso entregar algo diferente e que valha a pena e que possa ser comprado ou exposto, mesmo sabendo de todos os riscos.

Eu apenas vou lá e faço e eu quero ter liberdade pra isso e se isso algum dia afastar as pessoas bem... É uma pena.

 

AS: Eu lembro que você me disse rapidamente que já havia tentado ingresso na UERJ. Então, caso eu não esteja enganado, arte para você, é uma escolha consciente e desejada. Antes mesmo de entrar na universidade, quando e como você descobre este interesse?

NIE: Desde sempre. Esse interesse não surgiu quando eu tentei o vestibular pra faculdade pela primeira vez, isso tava sempre dentro de mim desde a época que eu fazia rap, eu queria fazer parte de alguma coisa, se crescer pra mim naquela época era difícil, crescer sozinho era pior ainda e eu sempre me imaginei cantando minhas rimas pra algum público e ser ovacionado, mas é aquilo, você olha pra sua realidade, sua família e vê que, querer ser um artista ou músico sendo pobre e favelado é a última coisa que tu pode querer, é o peso na consciência se der errado, é o tempo perdido seu, aí você tenta procurar outras opções que te dê segurança financeira mesmo que seja um emprego que você odeia. Não se é muito permitido sonhar tão longe. Eu não tinha e nem tenho essa mordomia. Mas essa "vontade de arte" tava falando mais alto, eu tava ficando deprimido e perdendo o prazer de viver, e então foi aí que decidi arriscar tudo e tentar pela terceira e última vez o vestibular, só que dessa vez para artes visuais, sem saber o que me esperava. Assumi o que tava me matando por dentro pela primeira vez. Sem medo. E então aqui estou.

 

AS: Então nesse sentido, então, é possível sonhar longe e acertar o objetivo do desejo não? 

 

NIE: Com persistência sim. Mas é aquilo, tem hora que parece que nunca vai dar resultado. Mas faz parte dos negócios arriscados.

 

AS: Certamente a arte é um negócio arriscado. Como viver, por exemplo. Mas são instâncias diferentes. Quando você fala no seu interesse no Rap, como você pensa em articular com a área de Artes Visuais?

NIE: É trazer o rap, a cultura de rua e de protesto pra dentro do circuito artístico onde não é tão disseminado assim. Às vezes não precisa nem ser a música em si ou a performance, mas as palavras que aprendi nesse mundo tem força.

 

AS: Sim. Certamente as palavras têm força. Mas você acha que o sistema de arte é ainda pouco atendo para corpos dissidentes?

 

NIE: Acho que o sistema de arte não atento ainda a essa sensibilidade. Porém, tô aqui pra incomodar a música dos contentes.

Fazer com que abram os olhos mais uma vez.

 

AS:   Mas para isso você também precisa de uma estratégia de inserção e negociação, não?

 

NIE: Mas é claro. Uma nova proposta de fazer arte. Que tal a gente que pinta a violência mostrar também que o favelado tem depressão? que a sociedade de consumo chega lá de um jeito, que estamos todos entorpecidos nesse negócio de "iFood", "Coca-Cola" "Twitter "? Que o "bonde do trabalhador" tá sempre rodando? E que tal juntar tudo numa letra de rap e colocar uma guitarra? Existe muito mais a explorar além da violência e da "estética de cria".

 

NIE: Sobre "O conto da raposa", não é sobre mim exclusivamente, mesmo sendo pessoal e expositivo até demais sobre minha pessoa. Eu sou muito do agir. Não penso muito. Não planejei pra fazer aqueles desenhos(tanto que tem alguns ali que eu detesto rsrs). Meus sentimentos fizeram aqueles desenhos (quem disse que raiva não é inspiração?)." O conto da raposa" fala de alguém que não se enquadrou num círculo social que até então parecia ser um círculo que lhe pertencia, porém, perdeu amigos e foi tentar a aceitação no outro. Buscar outras realidades, outros tipos de cor de pele, outros amores. Como eu te disse, todo mundo precisa fazer parte de alguma coisa. As pessoas merecem isso. Fui um excluído grande parte da minha vida. Ainda me sinto assim. Me sinto só.  Mas isso não me machuca mais. Falo pelos excluídos também. Falo pelas pessoas que se sentem alienígenas sociais. Falo das festas. Dos amores. Da melancolia. Da loucura e da solidão. As dores do nosso século. E essa minha dor não é exclusiva minha. Eu apenas tomei coragem e comecei a desenhar. E sempre quando eu posso ou acho necessário referencio o Rio de Janeiro na minha arte.

 

AS: Mas é paradoxal como você fala de uma solidão sua, que você reconhece nos outros.

Quais seriam esses outros?

Ou de outra maneira, quais vozes falam contigo?

Ao mesmo tempo, você não acha que é a particularidade da sua voz e do seu olhar que faz com que o trabalho aconteça?

NIE: Especificamente nesses desenhos eu tava querendo desabafar um certo passado, uma dor e uma solidão que vinha desde a infância e se intensificou na adolescência quando eu decidi brigar pela minha liberdade e escolher meus caminhos (por mais tortos que fossem), passei por eles, sobrevivi, mas deixei tudo guardado até então, alguma coisa me dizia pra externar isso (talvez essas "vozes" que você menciona). É claro falando de mim na minha arte poderia falar por outros também que passaram pela mesma inconsequência juvenil ou angústia. Mas mesmo assim eu ainda não sabia o que falar na arte, isso aí foi uma dor espontânea. Uma ferida que precisava ser aberta de algum jeito.

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